segunda-feira, 9 de maio de 2011

Reportagem Especial sobre "Escritos da Carne" no Jornal de Santa Catarina de hoje:

LAZER


COMPORTAMENTO

Sem medo de despir-se

Sete fotógrafos colocam suas lentes à disposição do debate sobre erotismo em exposição aberta em Blumenau

Em um porão escuro, com paredes de estruturas velhas, baixa iluminação, dezenas de pessoas observam fotografias de corpos nus. As imagens brincam com a luz, com movimento, expõem e escondem. Os presentes estão todos devidamente vestidos para uma noite agradável em Blumenau, mas a impressão que ficou é que todos foram, mesmo que minimamente, despidos de alguma barreira naquele 29 de abril.

– Vamos pensar o nosso erótico. O erotismo que há em cada um! – bradou, como em um discurso em praça pública, a pesquisadora Carla Fernanda da Silva, na abertura da exposição Escritos da Carne, mostra organizada por ela que busca a reflexão do erótico na sociedade contemporânea.

Para esse exercício, a pesquisadora convidou outros seis fotógrafos – Ivan Schulze, Mariana Florêncio, Charles Steuck, Aline Assumpção, Carlos Lobe e Sally Satler – para serem autores de imagens que buscassem questionar o que era erótico para eles e para os fotografados, co-autores das obras. A exposição fica aberta até o dia 15. Depois, circula o Estado e está confirmada em Gaspar, em junho, e em Itajaí, em julho.

– A exposição funciona como provocador – explica Carla.

A necessidade de provocar o público a pensar o erótico parte de uma crítica da pesquisadora à sociedade contemporânea, que, segundo ela, por um lado cria barreiras a partir da tradição cristã e da moral que ganhou força no século 19, e por outro lado, comercializa um erótico idealizado em corpos perfeitos na indústria pornográfica e na publicidade e cinema.

– Querendo ou não, nesses meios existem referências das quais a maioria da população não faz parte. E isso de certa forma inibe o erótico individual, não diretamente, mas subjetivamente – explica a pesquisadora.

Segundo ela, na Antiguidade não havia essa interferência. Ela lembra que na tradição grega, o corpo nu não era considerado imoral. O corpo passa a ser considerado sujo a partir do cristianismo.

– As pessoas conviviam bem com o nu, sem sexualizá-lo.

 
Serviço
Escritos da Carne - No Porão da Fundação Cultural de Blumenau, Rua XV de Novembro, 161, Centro, Blumenau. Exposição de fotografias que discutem e retratam o erótico. De segunda a sexta, das 9h às 17h; sábado e domingo, das 10h às 16h. Até 15/05.
 

Multimídia

COMPORTAMENTO

Erótico sem clichês

Para o casal de artistas Charles Steuck e Aline Assumpção, o ponto central das fotografias da exposição é refletir e retratar as diferentes formas de experimentar o erótico, fugindo ou não se relacionando com os padrões e clichês estabelecidos.

– Cada pessoa ou corpo, cada casal, tem seu próprio erótico e sua própria forma de viver e sentir isso. É disso que fala este projeto – comenta Charles.

Os diferentes estilos das 21 imagens produzidas pelos sete fotógrafos (Carla também fotografou) reforçam o discurso da individualização do erótico. Não no sentido de reservá-lo, escondê-lo, mas de aceitar as particularidades, segundo Carla. Há fotografias que preservam uma luz misteriosa, outros usam da luminosidade justamente para expor. Alguns fotógrafos parecem ter buscado retratar um erótico quase ritualístico, enquanto outros mostram algo mais coordenado. O fotógrafo Ivan Schulze, por exemplo, partiu do ponto de vista da visão do homem em relação à mulher.

– A sobreposição das fotos brinca um pouco com isso do erótico da imaginação, do pensamento, e o da imagem em si – explica Schulze.

É essa livre imaginação que, segundo Carla, às vezes contamina-se por referências estabelecidas pela mídia, através de corpos perfeitos e um erótico comercializado. Para a pesquisadora, em propagandas e no cinema há um corpo a ser consumido, coberto por objetos, que faz uso do erótico como atrativo, e inibe aqueles que se veem diferente.

– Vamos pensar um adolescente que é muito alto, ou muito baixo, gordo demais ou magérrimo. Diante daquele corpo idealizado, ele vai se sentir insatisfeito – explica Carla.

A partir desse ponto, Carla afirma que a exposição vem quase como uma bandeira de uma causa. O lema dessa luta em busca do desejo sincero de cada um poderia ser “Busque seu próprio erótico”.

– As pessoas precisam pensar seu erótico. Há eroticidade em todos os corpos – encerra a pesquisadora.


santa.com.br
Confira outras fotos da exposição Escritos da Carne em galeria em www.santa.com.br.
 

Multimídia

COMPORTAMENTO

Fotografia como reflexão

As fotografias da exposição Escritos da Carne são resultados de um trabalho colaborativo. Os corpos nus não são somente modelos de uma visão que o fotógrafo gostaria de passar. Todos os envolvidos dividem a autoria dos trabalhos com os fotografados. Para Charles Steuck e Aline Assumpção, é mais que co-autoria:

– O erótico nas imagens é mais o erótico dos casais fotografados, e não tanto dos fotógrafos.

A autoria das fotos de Charles e Aline é, em uma das séries, dividida com o casal Rodrigo Dal Molin e Everton Duarte. As cores do ambiente e das tintas e os trechos de letras de Cazuza no catálogo foram as contribuições dos fotografados. Dal Molin lembra que no início, ao receber o convite, houve uma dúvida, mas o resultado foi supersaudável.

– Não havia dúvida pelo resultado, porque confiamos em quem fez, mas essa coisa de ser visto pelo olhar do outro, que se tornou algo superinteressante – explica.

Assim como Dal Molin, a cantora Mareike Valentim e o escritor Gregory Haertel também consideram uma experiência saudável.

– Foi interessante para a gente como casal e como ser humano. Além disso, percebemos como a nossa nudez atiça o questionamento de quem vê a exposição – comenta Mareike.

Apesar de ter pensado em realizar autorretratos, a fotógrafa Mariana Florêncio, que participa da exposição afirma que mesmo atrás das câmeras o questionamento do erótico acontece com muita força:

– Desde o início questionei o que era realmente erótico pra mim. Sou muito de cheiro, de toque, e acho que consegui passar isso nas fotos.

Os resultados foram positivos para todos os envolvidos, que sentem conseguir deixar o questionamento do erótico para os visitantes.

– Acho que muita gente se identificou. Lembro do comentário da minha mãe: ‘Me arrependi de não ter feito as fotos eu e teu pai!’. Esta frase foi um prêmio para mim! – lembra Mariana.

vinicius.batista@santa.com.br VINICIUS BATISTA

Nenhum comentário:

Postar um comentário